sexta-feira

os primeiros passos no Mundo do Trabalho

Sempre que chegavam as férias da primária, aos meus pais colocavam-se algumas opções, relativamente à minha pessoa, ou ia para a Serra da Estrela, ou ia trabalhar para a oficina do Zé Bigodes, que se situava ao fundo da minha rua.
Claro que para mim a opção da Serra da Estrela era a preferida, ia para ao pé dos meus avós e os dias eram passados a dar pasto às ovelhas, a abrir e a tapar pequenos riachos, para que as terras pudessem receber água, claro que isto não era um emprego, era sim, umas ricas férias.

O que se podia já considerar um pequeno emprego, era ir trabalhar para a oficina do Zé Bigodes, e ai sim, entrava às 7:30 da manhã e tinha como principal função varrer e limpar a oficina, pois quando o pessoal chegava os “carolos” eram abundantes se encontravam as suas bancadas sujas de limalhas ou de outras substâncias mais oleosas.

Esta espécie de ocupação de tempos livres, que se veio a afirmar como o meu primeiro emprego após ter concluído a 4ª classe, era uma dor de cabeça para a minha pobre mãe, ver o seu querido filho chegar a casa todo oleado era uma dor de cabeça, podem crer. Ela que sempre tinha aspirado em ver o seu filho de fato e gravata a caminho do trabalho.

Eu não achava muita graça à oficina do Zé Bigodes, não me esqueço dos «carolos» que levava, do limpa aqui, limpa acolá, sempre todo borrado, lembro-me perfeitamente que passava o dia a fazer roscas em longos tubos de ferro que acabavam em parafusos.

Bem como já era espigadote, cerca de onze anos, farto de varrer a oficina, deparei-me ao passear por Benfica numa loja que ainda hoje existe no mesmo local com o nome de «SISSI», lá estava uma tábua de salvação, admitiam um empregado, esta loja tinha um ar asseado, impressionava olhar o seu interior, era quase tudo artigos de loiça, grandes quadros, e se bem lembro vendia a preços elevados, metia um pouco de respeito.

Bem lá falei com o patrão, não me recordo já o seu nome, era um homem seco e alto, com pronuncia do norte, na altura deveria rondar os dez a onze anos, aceitaram-me, bem foi o início do inferno, vendia-se na altura muitos serviços de loiça completos e o bom do David, lá tinha que levar enormes cestas às costas com serviços completos que as Clientes compravam, de vez em quando lá vinha uma moedinha, que servia que nem ginga para compor a caderneta dos bonecos da bola, moda na altura.

À hora do almoço, nas traseiras, ainda que interiores fazia bons treinos com um outro colega da loja, um pouco mais velho, jogavamos com uma bola de trapo e eu voava no meio dos fardos de palha, a lembrar os famosos guarda redes da altura, era um fartote, os fardos de palha que serviam de amortecimento para as nossas loucuras, voavam por tudo que era sitio.

Um dia o meu patrão encostou uma enorme escada a uma das prateleiras, acho que ainda hoje sei o lugar exacto, ficava no fundo da loja, e mandou-me pregar um prego mesmo no alto, para suster um enorme quadro, não é que deixei cair o martelo, só visto, ainda recordo a imagem, por onde o martelo passava, era uma desgraça, eram só cacos.
O Patrão pregou-me um bom raspanete, mas que me lembre não passou disso, o pior foi quando chegou o final do mês, deduziu-me no magro ordenado os estragos que ocasionalmente tinha feito, quase não recebi ordenado, resmunguei, só que quando sai a porta já a tinha fisgada, nunca mais colocava lá as patas, ainda me lembro do raspanete que levei em casa.

Com os doze anos a chegar e através de um amigo da Venda Nova, o Mário, fui fazer uma entrevista a uma casa no Campo Pequeno a «Sonio Rádio», Era uma casa de reparações de rádios e material eléctrico, assim como colocava na altura antenas de televisão nos telhados, das chamadas Avenidas Novas, eram baixinhos como um raio,para mim era bom, pois na altura tinha a mania que tinha jeito para engenhocas.
Lá fui aprendendo umas coisas, e já me desenrascava, jamais me esqueci trabalhava nessa casa como simples empregado um rapaz já homem de nome Cristovão, várias vezes fui com ele colocar antenas nos telhados da zona, ouvia sempre a mesma cantiga, "os velhos nunca mais morrem" julgo que eram uns tios que tinha no Brasil, hoje não sei se ainda é vivo, uma coisa sei, os tais velhos morreram e ele herdou uma bela herança, hoje é uma das maiores fortunas de Lisboa, dono de diversos empreendimentos turísticos. Encontramo-nos anos mais tarde no Restaurante Panorâmico do Monsanto, não me conheceu, é normal.

A coisa ia bem, chegava a casa limpinho e com algum dinheiro no bolso,Um dia a patroa, escolheu-me para fazer além do auxilio que dava ao pessoal técnico, serviços auxiliares de escritório, estragou tudo, quase todos os dias levava imensas cartas para colocar no correio e tal como hoje, tenho uma raiva de morte a cartas, basta olhar para a minha secretária, chego a levar meses para abrir uma, resultado, esquecia-me de as colocar no correio, e estão mesmo a ver para onde elas iam...... isso mesmo iam parar ao lixo. Não deu, a coisa descobriu-se, levei um forte raspanete e fui despedido. Estava eu perto de fazer os meus treze anos, como o conto já vai extenso, prometo contar as histórias passadas nos Laboratórios Vitória emprego que veio a seguir, e no qual estive dez anos.

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