terça-feira

António Aleixo

Onde Nasceu a Ciência e o Juízo?
MOTE
— Onde nasceu a ciência?...
— Onde nasceu o juízo?...
Calculo que ninguém tem
Tudo quanto lhe é preciso!

GLOSAS
Onde nasceu o autor
Com forças p'ra trabalhar
E fazer a terra dar
As plantas de toda a cor?
Onde nasceu tal valor?...
Seria uma força imensa
E há muita gente que pensa
Que o poder nos vem de Cristo;
Mas antes de tudo isto,
Onde nasceu a ciência?...

De onde nasceu o saber?...
Do homem, naturalmente.
Mas quem gerou tal vivente
Sem no mundo nada haver?
Gostava de conhecer
Quem é que formou o piso
Que a todos nós é preciso
Até o mundo ter fim...
Não há quem me diga a mim
Onde nasceu o juízo?...

Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário...
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.

Ao primeiro homem sabido,
Quem foi que lhe deu lições
P'ra ter habilitações
E ser assim instruído?...
Quem não estiver convencido
Concorde com este aviso:
— Eu nunca desvalorizo
Aquel' que saber não tem,
Porque não nasceu ninguém
Com tudo quanto é preciso!

António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

Tertúlia na UATI

BREVES NOTAS SOBRE: ANTÓNIO ALEIXO
" Este Livro que vos deixo "

O poeta António Aleixo, cauteleiro e pastor de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pelas redondezas de Loulé ( Algarve - Portugal ) é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela poesia.Nasceu em Vila Real de Santo António a 18 de Fevereiro de 1899 e faleceu em Loulé a 16 de Novembro de 1949.Não sendo totalmente analfabeto, sabe ler e leu meia dúzia de bons livros - não é porém capaz de escrever com correcção e a sua preparação intelectual não lhe deu qualificação para poder ser considerado um poeta culto. Mas ficou sendo conhecido por o maior poeta popular ( O poeta do povo ) Todavia, há nos versos que fazem parte do seu livro "Este livro que vos deixo", uma correcção de linguagem e sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não deixa de impressionar.António Aleixo, compõe e improvisa nas mais diversas situações e oportunidades. Umas vezes cantando numa feira ou festa de aldeia, outras, a pedido de amigos que lhe beliscam a veia; ora aproveitando traços caricaturais de pessoas conhecidas, ora sugestionado por uma conversa de tom mais elevado e a cuja altura sobe facilmente.Passeando, sozinho, a guardar umas cabras ou a fazer circular as cautelas de lotaria - sua mais habitual ocupação, por isso também chamado "poeta cauteleiro" ou acompanhado por amigos, numa ceia ou num café, o poeta está presente e alerta e lá vem a quadra ou a sextilha, a fixar um pensamento, a finalizar uma discussão, a apreciar um dito ou a refinar uma troça. E, normalmente, a forma é lapidar, o conceito incisivo e o vocabulário justo e preciso.O que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano de moralista, com que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens.

Joaquim Magalhãएस
In Este Livro que vos deixo...António Aleixo
Quadras e Versos
A obra do poeta é constituída por Quadras, Versos, Glosas e Autos: "Auto da Vida e da Morte", "Auto do Curandeiro" e " Auto do Ti Jaquim".
Os motivos e temas de inspiração são bastantes variados. Não sendo um revoltado, acaba por desabafar na sua poesia todo o sofrimento provocado por certas injustiças, como se pode apreciar nas quadras laterais.
PS: Adorei fazer a encarnação do Poeta, obrigado a todos