segunda-feira

ANTEVISÃO


ANTEVISÃO

Repicam os sinos
Dlim, dlão
No meio da multidão, surge por encanto
...Diante dos teus olhos enevoados
O teu rebento crescido
Dlim, dlão, dlão
Oh! Que sonho que ilusão
Paradoxo da vida
Em vez de um menino, tímido, fugidio
Surge-te um rapaz robusto, mocetão
Dlim, dlão, dlão
É o toque dos sinos que chamam pela paz
Ressoam os sinos
Voltou o menino
Choram os olhos de alegria, chora o coração
Meio entontecido, meio adormecido
Com os olhos encovados, doentios
Ainda entorpecido, pelo troar dos canhões
Vejo com a alma partida
Que já não sou o menino
Que numa manhã fria de Inverno doentio
Se despediu da mãe
Dlim, dlão, dlão
É a voz dos metais aprisionados
Aos meus ouvidos endurecidos
Pelo fragor das emboscadas, oiço as palavras
Meu filho! Meu menino!
Tremo, olho e vejo-me de rosto cerrado
Olhar amadurecido, duro talvez?
Olho de novo aquela figura
Pequenina, velhinha, pálida
Já não sou o mesmo, endureci….
Nem um músculo dá sinais de vida, tremo
Há muito que a experiência da vida
Me disse, me aconselhou, mostrar por fora
O que não nos vai por dentro
Algo se parte em mim, a minha voz
Quer elevar-se e dizer
Mãe o teu menino, aquele que tu viste partir
Já não é um MENINO
É um HOMEM QUE ENDURECEU
Que matou para não morrer
Que matou para te tornar a ver
Dlim, dlão, dlão
Repicam os sinos
Indiferentes
Dlim, dlão, dlão
Choro por te tornar a ver feito homem
Choro por ti, por tudo quanto perdi
Dlim, dlão, dlão

Alberto David
Jornal o DRAGÃO, Março de 1966Ver mais