terça-feira

Morais e Castro

É costumeiro estabelecer como regra que existem apenas duas formas de 'explicar' o actor português: ou é capaz de se desdobrar em personagens diferentes sempre tratadas de maneiras distintas, ou representa sempre da mesma maneira, à espera que um dia uma personagem o 'encontre' e caiba por inteiro nos seus maneirismos e tiques.
De Morais e Castro bem se pode dizer que viveu, ao mesmo tempo, a alegria de procurar a personagem que lhe assentasse como uma luva e o embaraço de nunca a ter encontrado.O cinema parece ter feito questão de passar, bem ou mal, sem ele. A televisão já dele fez caso e repetidas vezes. Do teatro feito para o pequeno ecrã (o que foi escrito ou rescrito a pensar na TV ou filmado de maneira a que nela coubesse...) às telenovelas às quais ele deu os favores do seu estilo único praticamente desde o início da aventura do género à moda lusitana, o 'jeito' peculiar de Morais e Castro passeou-se como uma garantia, uma apólice de seguro: a perfeição não estava em fazer tudo bem, mas antes em não fazer nada errado.
Com uma carreira sólida de mais de meio século, Morais e Castro sempre foi o 'actor normal', o representante daquele talento a quem o génio nunca assiste e que, por outro lado, assegura que as pontas soltas nunca arruínam o ramalhete.
Não foi o homem de quem se falava, mas era o actor com quem se contava, o que para um artista que teve por ambição maior fazer bem as coisas é epitáfio que chega e por pouco sobra.É também mais um caso em que a ausência de arquivos filmados acaba por resumir o primeiro quarto de século do seu labor às memórias daqueles que com ele trabalharam e que ainda nos dão a alegria e graça de por cá estarem, de Carmen Dolores e Ruy de Carvalho a Irene Cruz, Rui Mendes ou João Lourenço.
O profissionalismo imaculado e a cidadania activa são as referências reincidentes. É o que de mais acertado de Morais e Castro se pode dizer.O grosso do público, o que deu de caras com ele com o advento das cores televisivas, há-de sempre lembrar-se dos seus esgares de saudável indignação como professor do menino Tonecas, o mais divertido dos calões, maroto de primeira apanha.
Quem quiser apontar o dedo acusador ao defunto actor, pode sempre insistir nesse dia de arromba em que Morais e Castro leu a mensagem de um enfermo Álvaro Cunhal ao congresso que prometia a renovação no 'seu' Partido Comunista.
A 'declamação' devolveu o partido à escuridão sectária durante mais anos do que o bom senso estaria disposto a suportar. Para os detractores do actor, 'aquele' foi o seu melhor papel.Fica, contas feitas, a ideia de um homem comum e de um actor a condizer, a quem faltou a personagem que se lhe colasse como o teatro fez com ele desde miúdo e que, mesmo sem um golpe de asa capaz de deslumbrar, foi capaz de dar conta do melhor recado: ser um profissional, tocado pela impecabilidade.

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