segunda-feira

A verdade de Medina Carreira



Entrevista com Medina Carreira
'Isto parece o Estado Novo'


Depois do caso TVI, Medina Carreira sente-se no estado novo, de Salazar e Caetano. Num novo livro, arrasa a classe política e dá as suas soluções para 'endireitar o País'. Dêem-lhe hora e meia de televisão, em canal aberto, que ele promete 'virar muita gente do avesso'...
Filipe Luís
10:40 Quinta-feira, 10 de Set de 2009
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Medina Carreira
José Carlos Carvalho
Aos 78 anos, Henrique Medina Carreira é um dos mais lúcidos observadores da realidade portuguesa. Como consegue manter o cérebro tão oxigenado? "Trabalhando, lendo, escrevendo e zaragateando", responde. Ora aí está uma receita original de um neto de um democrata republicano opositor de Salazar - Jacinto Medina - e filho de um historiador, António Barbosa Carreira. Tanto o pai como a mãe Carmen, eram de Cabo Verde e Henrique viveu a sua infância na Guiné-Bissau. Bacharel em Engenharia Mecânica, advogado, professor, considera-se "um jurista que sabe fazer contas". É um dissidente do PS, tendo sido ministro das Finanças no I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares. E, sob a forma de uma longa entrevista, assina, com o jornalista Eduardo Dâmaso, o livro Portugal que futuro - o tempo das mudanças inadiáveis, a lançar no próximo dia 14, e onde é tão cáustico sobre o estado do País e tão cruel para com a classe política como nas célebres entrevistas na SIC Notícias.
Nasceu em Bissau. Os seus pais viviam lá? Sim. Ambos eram de Cabo Verde, o meu pai da Ilha do Fogo, a minha mãe da Brava. Conheceram-se e casaram lá. Fiz a instrução primária em Bissau.
Manteve alguma espécie de ligação á Guiné? Tem boas recordações?Excelentes recordações. Mas não mantive a ligação. Voltei lá aos 20 anos, depois de ter saído do Instituto dos Pupilos do Exército. Um ano e tal. Depois voltei, para ficar.
Como recorda a Guiné? Uma terra excelente, onde se vivia com grande tranquilidade. Na escola andávamos todos juntos, brancos, pretos, descalços, calçados... Aliás poucos tinham sapatos. Dez anos muito bons.
Veio para Lisboa aos 10 anos, portanto. Sim e entrei para os Pupilos, onde estive nove anos, interno. Fiz lá dois cursos, o curso Industrial e o curso médio de Engenharia.
A vida militar nunca o seduziu? Vida militar era a que nós tínhamos...
Parece que era um bom jogador de futebol... Sim, jogava futebol. Era guarda-redes. Jogava futebol no Inverno, remava na Pirmavera e fazia atletismo no verão. Sempre a praticar desporto.
Tem algum clube da sua preferência? Sou benfiquista. Era o sócio 15148. Mas deixei de ser sócio, depois de me aborrecer com aquelas má-criações indecorosas... mandei-os à fava!
Gosta de ler, para além da área da Política e da Economia? Já não leio ficção. Mas gosto muito de biografias. Estou agora a ler o último livro do Vasco Pulido Valente, Portugal - ensaios de História e de Política e um da Fátima Bonifácio. Biografias e politiquice. Mas poucos jornais...
Não tem netos... Não, mas tenho pena. Às vezes sinto falta de um, aqui, às cavalitas...
Mas atendendo ao que diz do País, não é muito prudente pôr uma criança neste mundo... Se os pais tiverem juízo, vale a pena. Eu, se fosse pai, tentaria que o meu filho aprendesse qualquer coisa, nem que fosse para sapateiro. E que falasse bem Inglês e uma das línguas que farão falta no futuro: russo, chinês ou árabe. Toda a influência do mundo vai passar para esses países.
O senhor dá a ideia de ser uma pessoa disciplinada e disciplinadora. Tem a ver com essa sua formação, nos Pupilos? Tem a ver com o meu pai, que era um educador a sério, exigente. A escola militar terá tido a sua influência mas eu sou também um homem de ordem. Tenho muita ordem na cabeça e pouca ordem nas mãos...
Entretanto, saiu, foi à Guiné e voltou. Veio para Portugal fazer o quê? A escolha era entre ir para o Técnico ou não. Como não me apetecia, estava mais virado para as questões sociais, queria ir para Economia. Mas não tinha forma de ir, porque era da área de engenharia. E como admitia ter de fazer uma parte dos estudos a trabalhar, inclinei-me para Direito, que era mais compatível. Só que, vindo do ramo de Engenharia, não dava para ir para Direito. (Fazia confusão ao dr. Salazar...) Andei então para trás. Fui a Coimbra fazer um curso de Ciências Pedagógicas (CP), que me permitia saltar para qualquer curso.
Quanto tempo? Um ano, cinco cadeiras. Mas saú então um decreto a dizer que os de CP não podiam, afinal, inscrever-se em qualquer curso...
E o que fez? Fui ao Ministério da Educação e arranjei logo uma questiúncula. Estava lá um padre, que foi atendido primeiro do que eu, não achei bem, enfim...
Tem alguma crença religiosa? Não, sou agnóstico. Já o meu pai era. A minha mãe é que era católica.
Voltando ao Ministério da Educação... Disseram-me que tinha de fazer o liceu todo, se quisesse ir para Direito. Bom, foi um regateio. Eu que já dava aulas de matemática ao 5.° ano, não fazia sentido. Só me dispensaram do 1.° ciclo. Veja lá a diferença: não era como hoje, que é assim: "Tome lá um diploma e um abraço do primeiro-ministro, você é um tipo bestial..." Bem, matriculei-me e fiz o liceu. Ao mesmo tempo que trabalhava no Barreiro. Fiz a secção de Letras do 5.°, num ano, de Ciências, no outro e a alínea de Direito no terceiro.
Casou com que idade? Com 23 anos. Acabei o tal liceu aos 26 anos, no Liceu Camões. Dava aulas, fui empregado de escritório e técnico fabril.
No Barreiro... No Barreiro. Era chefe do sector da produção de aço.
Para isso tinha de ter ordem nas mãos... Para desenho e essas coisas tive sempre muito jeito. Finalmente, acabei Direito com 31 anos, comecei a advogar, etc..
Mas ainda foi para o ISEG. Sim, o então ISE, para tirar Economia. Mas já era advogado, tinha muito trabalho e acabei por não completar.
Herdou do seu pai, que foi historiador, o sentido da História, na sua observação do País? Herdei, sobretudo, o sentido do rigor, da disciplina, da honra, da fidelidade à palavra e o desinteresse pelo dinheiro. A coisa que me custa mais é discutir dinheiro.
Que percepção é que tinha, em jovem adulto, do Estado Novo? A República teve de chamar o Salazar. Tinha de ser aquele ou outro qualquer. Até 1945 não era fácil ter feito muito melhor. Mas, a partir da guerra, percebi que o Salazar estava fora do tempo.
Mas já tinha alguma vocação, ou actividade política? Actividade, não. Mas sempre tive muito interesse pela política. Enfim, estive na greve de 1962, embora mais velho que os meus colegas.
Com 27 anos, como viu a candidatura de Humberto Delgado? Viu-se que o regime ia descambar. Mas o desmoronamento foi em 1960, 1961. E eu vejo hoje Portugal a desmoronar-se de forma parecida: sem norte, sem chefia esclarecida, sem elasticidade, sem capacidade de adaptação... Sinto hoje um Portugal tão trémulo como nos últimos dez anos do Estado Novo.
O 25 de Abril apanha-o com 42 anos. E motiva a sua intervenção política?Eu entrei para o PS antes do 25 de Abril, pela mão do meu colega e amigo José Magalhães Godinho, em 1973. Já conhecia o Mário Soares. Havia, na Baixa, um restaurante, com uma mesa sempre reservada para os advogados, e parávamos lá os que não concordavam com o regime. E foi lá que conheci o Soares. Voltei a vê-lo quando o fui esperar a Santa Apolónia, incógnito, no meio de milhares de pessoas,.
Mas o senhor alguma vez foi socialista? Quem o ouve hoje... Aquele socialismo, que era viável naquele tempo, não é viável hoje. Esse é que é o problema. Hoje, é uma burla.
Entrou, então, no VI Governo provisório, de Pinheiro de Azevedo, para sub-secretário de Estado do Orçamento. Num período completamente convulsivo... Eu entrei em Outubro, a pedido do Salgado Zenha, que não tinha ninguém para tratar dos impostos...
Zenha que era o seu ministro das Finanças, apesar de ter dito que não percebia nada de Finanças... Não percebia nada daquilo, coitado, mas tinha uma boa cabeça. E era um homem honrado. E tinha uma grande equipa. O Artur Santos Silva, o Vítor Constâncio, o António Sousa Gomes, o Sousa Franco, a Manuela Morgado... A equipa de ouro, como se chamava. Fui eu - ninguém sabe, mas já agora, conto-lhe - quem propôs cadeia para a fraude fiscal. Que não havia.
E quantas pessoas foram presas até hoje? (Risos) Talvez um desgraçado, um tal Viola, ou lá quem foi, por descuido. A partir desse momento eu percebi que isto não vai longe. Nunca irá para a cadeia nenhum trafulha por razões fiscais...
E como encontrou o Ministério das Finanças, naquela época? A primeira vez que lá entrei era só gente, muita gente nos corredores, uma grande confusão... À porta do ministro havia uma espécie de caixote de sabão, com uma máquina de café. Um contínuo numa secretária de torcidos e tremidos, um tampo de vidro todo partido e, em cima, as imagens de umas senhoras ligeiramente despidas... Foi o meu baptismo.
No I Governo de Mário Soares, vai a ministro. Um dia, o Zenha manda-me chamar. No gabinete dele estava o Soares. 'Você não quer ir almoçar connosco?' Fomos a uma tasquinha, em Belém, eu, o Sousa Gomes, o Zenha e o Soares. Eu estava a arrumar a minha trouxa para abandonar o ministério, tinha havido eleições ia formar-se o I Governo Constitucional. O almoço era para me convidarem para ir para ministro das Finanças. Olhe, o meu pai não gostava de política. A minha mulher via isto com muito maus olhos. Mas aquilo da política era, na altura, uma espécie de serviço militar obrigatório. E lá aceitei. Até hoje, ainda perco dinheiro com a política!
Ficou como tendo sido o artífice da negociação com o FMI... Mas não é verdade. Quem esteve nisso foi depois o Vítor Constâncio e o Silva Lopes. Eu nem concordava com o acordo com o FMI. Aliás, vi logo que estava mal no Governo, porque não conseguia fazer a minha política, ninguém concordava comigo.
Mais tarde, Soares teve de dar carta branca ao Ernâni Lopes... Pois, mas aí, o Soares já era outro, já tinha percebido a importância das finanças e estava apertado... E o Ernâni fez um grande lugar.
O senhor sai do PS em 1978... Sim, em ruptura contra o chumbo, na AR, do Governo do Nobre da Costa. Depois, por influência do Mário Soares e do Almeida Santos, voltei, em 1983. Mas saí de novo, em 2000, ou 2001, por causa daquela trafulhice da reforma do património, no tempo do Guterres. Percebi que aquele partido era dirigido por gente sem palavra e eu não me dou com gente sem palavra.
Como se vê nas suas intervenções, e neste novo livro, continua zangado - e um pessimista inveterado. Sou um pessimista sob condição. Se continuarmos com estas instituições a funcionar tal como estão, os dirigentes políticos que para aí andam e mais o seus acólitos, que vivem da política, eu sou um imenso pessimista.
Mas como não se vê grande alternativa é mesmo um... ...Pessimista! Mas imagine que aparece uma pessoa, com uma ideia política...
Um homem providencial? Deus me livre! Não, um homem preparado...
Ou uma mulher... Ou uma mulher, claro. Se calhar, até prefiro uma mulher. Mas que tenha uma profissão e preparação. O mal é que grande parte dos nossos políticos não tem preparação.
Os políticos profissionais também estão no poder noutros países da União, que estão melhor que nós... Sim, é essa a diferença. Nós somos mais pobres e estamos a ficar ainda mais pobres, em relação à Europa.
Mas mais ricos do que éramos antes, não? Trinta anos depois, tínhamos de estar um bocadinho, com qualquer regime, até com o Salazar. Mas a verdade é que nos abrimos à Europa como tínhamos de abrir, fizemos algumas coisas meritórias, mas há muito da nossa vida que é uma aparência. Daqui a cinco anos, o meu amigo pode estar a dever, sem dar por isso, 42 mil euros ao estrangeiro, quando, em 2000, devia 4 mil. Há uma parte da nossa vida que é ficção.
Mas todos os países estão endividados... Qual é o endividamento dos EUA? Não compare. Os EUA têm moeda própria e, logo aí, têm um instrumento...
Mas o nosso problema foi a adesão ao Euro? Nada disso, eu concordei com a adesão. Mas isso introduziu um grau de rigidez na nossa competitividade que nos está a matar.
Então foi mau... Não foi mau. Teríamos é de fazer coisas que não fizemos, depois da adesão. Aderimos bem. Mas temos vindo competitividade, que é a capacidade de vender os nossos produtos. Dantes, disfarçava-se com o facto de termos uma moeda própria. Fazia-se a desvalorização. Lembro-me de uma sexta-feira, era eu ministro das Finanças, fui à RTP anunciar uma desvalorização de 15 por cento. Na segunda-feira seguinte, aquilo que comprávamos ficou 15% mais caro. E o que vendíamos, 15% mais barato. Ao perder o instrumento de manobra cambial introduzimos uma rigidez a que os políticos não ligaram suficientemente. Diz que eu estou pessimista? Olhe, no outro dia, depois de ter ido à SIC, houve um grande economista que me ligou e me disse: "A única coisa em que discordo de si é que eu estou um bocado mais preocupado..."
Mas o senhor já fazia previsões catastróficas há dez ou 15 anos. Nesta altura Portugal já não devia existir. O que correu menos mal?Catastróficas, não! O que eu digo - e se calhar, essa mensagem não passa - não é para "amanhã". A sociedade portuguesa está viciada em falar "ontem" para "amanhã". Ora, a direcção que o nosso País leva não se mede entre dois centímetros, mas em dois metros. E se vir como estávamos em 2000 e como estaremos em 2010, verá. A longo prazo, anda não errei nada! Em 1995 escrevi um livro sobre políticas sociais. E disse que era absolutamente necessária uma reforma da Segurança Social antes do séc XXI. Ela só se fez agora, em 2006... Este ministro fazia parte da equipa que engonhou aquilo tudo. Disseram ao Guterres que isto estava garantido até ao fim do séc. XXI! Quem percebe isto dez anos depois, não deve ser ministro!
Mas olhe que os economistas falham muito nas suas previsões. Viu-se na crise e está a ver-se nas previsões sobre a retoma... O problema é diferente. Temos de olhar para os gráficos. Para a evolução da nossa Economia. A tendência de estagnação e empobrecimento. É perante esta tendência que eu digo "cuidado". Porque, ao mesmo tempo que temos uma economia menos produtiva, temos um estado que exige cada vez mais meios para sustentar os seus compromissos sociais! E a despesa social está a crescer três vezes mais do que a Economia!
Mas num país em que as pessoas já passam tantas dificuldades, podemos prescindir das despesas sociais do Estado? Não seria ainda pior, para as pessoas? Mas isso não serve de nada! O senhor não pode fazer política social com dinheiro emprestado!
Mas o senhor, que já critica tanto os serviços públicos, o que diria se o Estado fechasse ainda mais a torneira? Eu não critico os serviço públicos por uma questão de falta de dinheiro. Critico, por exemplo a Educação, que é uma vergonha e um crime que os políticos estão a cometer. Critico o funcionamento da Justiça. A burocracia.
Mas melhorou um pouco... hoje podemos pagar os nossos impostos pela internet, por exemplo... Não podemos estar sempre a dizer mal de tudo... Não quero subestimar essas coisas! Isso é óptimo! É um salto qualitativo dos serviços públicos! Mas isso não tem a ver com o sistema fiscal, que não está melhor. Está cada vez pior. Nesta área, o sistema legal está péssimo. O de execução melhorou muito, graças ao Paulo Macedo [ex-director-geral dos Impostos]. Mas o dos tribunais está, também, péssimo. As minhas críticas são de estrutura.
Se lhe pedissem que lhe salvasse as Finanças do País, faria um discurso similar ao de Salazar, quando lhe pediram o mesmo? É que o diagnóstico que faz do estado do País é idêntico ao que ele fazia... Há uma parte do diagnóstico que é parecido. Nós chegamos a um ponto em que gastamos muito mais do que aquilo que fazemos. O contexto do Salazar era muito próprio. Quando foi convidado, a primeira vez, esteve cá cinco dias. Percebeu quem era aquela gente. Mas em 1928 estávamos estrangulados. E o Salazar vinha escrevendo que isto só tinha uma solução, mexer no Orçamento. Com os empréstimos externos cortados, tiveram de ir buscá-lo. Portanto, isto dá-nos uma lição: ou percebemos a tempo a nossa doença, ou um dia teremos um Salazar.
Então, é de uma pessoa dessas que está à espera. Não, não estou à espera. É verdade que ele, entre 1928 e 1945, tirando as tropelias politiqueiras, foi o tipo de que o País precisou. Mas a desgraça recomeça em 1945. E, a partir de 1960, foi o fim. Nós, hoje, para mantermos uma política orçamental, mantendo as despesas sociais, temos de arranjar outra economia. E temos de reduzir as despesas.
Despesas sociais? Inevitavelmente, algumas. Só o dinheiro que a malta recebe do Estado leva 78% do bolo... A única coisa que podemos fazer é fazer com que a Economia dê mais dinheiro. Senão, temos de reduzir despesas, a doer.
Compara muito estes tempos com o estertor final da monarquia. Em que havia, se descontarmos a efémera ditadura de João Franco, dois partidos, esgotados e corruptos, que se alternavam no Poder - os progressistas e os regeneradores. Como o PS e o PSD de hoje? Esta democracia não funciona. Os partidos fecharam-se porque não querem gente de qualidade lá dentro.
Ou é a gente de qualidade que não quer ir para os partidos? Talvez, também. Mas é mais provável a primeira hipótese. Os partidos tomaram conta do dinheirito e as pessoas lá dentro esgatanharam-se para disputar a mesa do Orçamento. E o pessoal de qualidade está a governar-se por fora. O que tem a ver com as grandes obras que este Governo quer fazer, para dar dinheiro a ganhar a alguém. Estes projectos são criminosos.
O TGV, o novo aeroporto... Todas essas porcarias! Não são absolutamente essenciais, em primeiro lugar. E precisamos é de um Governo que crie as condições para atrair investimento estrangeiro e interno.
Mas um País sem produtos naturais, petróleo, diamantes, etc., o que deve fazer para enriquecer? Que clusters deve explorar? Não me interessam os clusters. Preciso é de ter um conjunto de condições que atraiam investimentos. externos e internos.
Os internos... enfim, há quem diga que os nossos empresários são tão fracos como o próprio país... Costumamos dizer quer os empresários são sempre incompetentes, os advogados uns gatunos, etc... Tudo isso tem uma parcela de verdade, todos nós temos uma certa rasquice incorporada... Temos que viver com ela. Mas não estamos cingidos aos empresários nacionais. Temos é de arranjar condições para que quem queira investir, invista. Essa coisa dos clusters é tudo conversa. Numa economia de mercado é o investidor que escolhe.
Mas num País sem recursos, o Estado tem de revelar alguma imaginação para estimular isso... O Estado tem de ter caco: os tribunais a funcionar bem e impedir que só haja imbecis a sair da escola. Isto é que são funções do Estado. A sua é escrever, a minha papaguear e a dos empresários investir! E eles investirão, se ganharem dinheiro. Ora, com o sistema de Justiça, a funcionar como funciona, o sistema fiscal também, e a corrupção a alastrar, ninguém vem para cá. Se o Estado fizer isto bem feito - e não é pouco - já actuará bem.
Mas a deslocalização do investimento não afecta só Portugal. Também afecta os nossos parceiros, onde há mais protecção aos trabalhadores. Os governos têm de dizer: 'Meus senhores, ou querem os empregos e passam a ganhar menos, ou querem mais dinheiro e não há tantos empregos'. As pessoas podem optar - e a democracia é isto. O País pode dizer: ' Ah, então antes queremos ser pobrezinhos, enrascados, passar o tempo na praia a apanhar sol' e tal. Pronto, então tudo bem. Ou então as pessoas querem viver melhor - e a malta quer viver melhor, coitada! E com toda a legitimidade.
Há uma ideia sua, neste livro, em que lembra que outros, na Ásia, ganham menos, não têm contratos vinculativos nem poder reivindicativo, nem são defendidos por organizações sindicais. E o senhor acha isto bem? Eu não acho bem!
Mas quer que se faça igual! Não. O que eu digo é que se o senhor não tiver nada, nenhum trabalho e, portanto, nenhum rendimento, como é que vive?
Temos de optar pelo mal menor? O que eu digo é que as pessoas, ou o Governo, não fazem a mínima ideia do mundo em que vivem.
Mas uma das soluções é pôr o País a funcionar, em termos laborais, como a Ásia... Não é como a Ásia! Os outros países da Europa funcionam!
Mas estão com problemas similares aos nossos, desse ponto de vista do emprego... Mas já viu populações ricas num país pobre, que não produz? Isso é que nunca existe.
E nos programas eleitorais, viu alguma proposta que o entusiasmasse? Não. Os programas eleitorais, com a dimensão que têm, são uma falcatrua.
O do PSD é mais sintético. Está bem, mas tenho ouvido o que a dra. Manuela Ferreira Leite tem dito e chega-me. Os programas são uma burla. Feitos para ninguém ler. São como as apólices de seguro: feitos para o eleitor nunca ter razão. Estão a fazer do pagode idiotas chapados.
Mas o CDS propõe baixa de impostos, o PSD quer acabar com o pagamento especial por conta... coisas que o senhor também defende. O CDS não percebeu que diminuindo os impostos, o Estado tem um défice maior.
Mas o senhor também defende essa baixa, neste livro. Mas quando for viável.
Mas isso é o que diz a líder do PSD! Está bem. Mas neste momento não é possível nem vai ser tão cedo.
Nem para atrair o tal investimento estrangeiro? Isso é outra coisa. Se fizermos as contas e tivermos a certeza de que resulta, então sim, é um toma lá dá cá. Mas dar borlas para depois eles não virem para cá, isso não. Se a Economia não mudar, os problemas financeiros agravam-se, os problemas sociais também e os políticos. A economia é o suspensório.
O senhor preconiza um governo de iniciativa presidencial com dirigentes que venham das profissões... ... Ou dos partidos.
Mas isso é fazer tábua rasa de eleições. Não é. Claro que os partidos teriam de concordar com esta solução transitória, para poderem fazer uma limpeza, renovar-se. A ideia era atirar para outra entidade a solução que os partidos não encontram.
Mas tanto Guterres como Sócrates foram buscar independentes e pessoas vindas, por exemplo da Academia. Essas coisas, normalmente, são para apanhar uns oportunistas. Têm sido uns pára-quedistas.
Mas veja o prof. Sousa Franco, por exemplo. Um académico, que não era aparatchik de nenhum partido. Ou no Governo Sócrates, que também teve figuras com este perfil. E as coisas não mudaram muito... Veja: no Governo Sócrates, o Campos e Cunha saiu quatro meses depois. Porquê?
Mas como avalia o desempenho do seu sucessor, Teixeira dos Santos?Avaliei positivamente até ao momento, há um ano e meio, dois anos, em que ele também começou a ser politiqueiro.
Mas um Governo de iniciativa presidencial tem mesmo pernas para andar?Não. Mas o que quero dizer é uma coisa parecida, alguém com o consenso do PS e do PSD.
Um Bloco Central sem Bloco Central? Exactamente. Alguém a quem se confira um mandato de confiança.
É quase um concurso público e a melhor oferta governava o País... Não, era dar a possibilidade de os partidos terem quatro ou cinco anos para se arrumarem e correrem com a escumalha que para lá anda.
E se o País sair ingovernável das eleições? Cavaco - que o senhor apoiou - não deverá ter alternativas em cima da mesa? O que eu sei é que se nenhum partido tiver maioria, entramos num caminho em que o dinheiro que vem lá de fora vai acabar. O primeiro solavanco que teremos, já na próxima legislatura, será um problema de crédito externo.
Mas se for tirar a um português de classe média o seu segundo carro, as férias em Cancoon e o pequeno-almoço fora todos os dias, porque ele que deve não sei quanto ao estrangeiro, como acha que ele lhe responde? Não dirá 'quero lá saber'? Se me derem uma hora e meia em televisão, em canal aberto, garanto que viro muita gente do avesso. Basta começar a falar na qualidade da educação e de onde isso nos levará.
Mas, no seu tempo, a Educação tinha melhor qualidade? Com meio país analfabeto? E se tinha, como chegámos à situação actual? Lá está você a confundir! Para as pessoas aprenderem não era preciso estarem lá todos! O abandono escolar, quando é feito por aqueles que não andam lá a aprender nada, é uma coisa boa! Nem gastam dinheiro à gente nem chateiam os outros! Esta ideia imbecil da escola inclusiva serve para depositar dentro de quatro paredes uns tipos! Para que o eng.° Sócrates e a Maria de Lurdes Rodrigues lhes passem, depois, um papelucho! Um tipo com cabeça devia perguntar, olhando para o papelucho: 'E isto serve para limpar o quê?'
Mas exagera um bocadinho. No seu tempo, em que a escola era tão "boa", havia 30 ou 40% de analfabetos. Hoje não há uma criança que não saiba aceder à internet. Não acha que melhorámos? Se a criança souber ler, escrever, ler, contar, pensar, expor, tudo bem. O Magalhães vai morrer por si próprio. As crianças escangalham aquilo tudo rapidamente ou vendem-no na Feira da Ladra...
Mas os paradigmas do conhecimento mudaram, em relação ao seu tempo. É melhor ter computador do que não ter... Sim, mas as coisas têm o seu tempo. Eu prefiro que eles estudem a tabuada. O problema é que isto é dirigido por gente que apanhou uns diplomas. Se tivessem estudado 30 anos, como eu estudei... Esta gente, a Lurdes Rodrigues, o Sócrates, etc., são do tempo do diploma fácil... É como as Novas Oportunidades, uma trafulice que ptretende dar em seis meses formação que só pode adquirir-se em três anos. Os patrões não vão engolir isso, quando se tratar de empregar as pessoas. Os asiáticos estão a progredir porque exigem muito mais do sistema educativo.
Mas alguma vez tivemos tanta gente qualificada como hoje, em Portugal?As elites são mais qualificadas do que no meu tempo. Mas o resto é muito pior. Eu deixei de ensinar, porque era um horror. Um dia encontrei um moço a quem perguntei: 'Mas, afinal, quando é que se vai embora? Quanto exames já fez comigo?' 'Fiz dez', disse ele. Quem quer estudar deve estudar. Quem não quer, mais vale fazer outra coisa. O que critico, no ensino inclusivo, é não dar alternativas na saída profissional, para quem não tem capacidade para chegar à universidade.
Falou das eleites. No livro acusa os banqueiros, que se supunham fiáveis, de se mostrarem indignos de confiança. E aponta o dedo ao País. Mas isto não sucedeu, ainda com maior acuidade, nos outros países? Sabe que o Madoff já está atrás das grades. E os EUA são os EUA. E eles, enquanto tiverem uma moeda que é aceite em todo o mundo...
Nós também temos... Não é bem nossa. Nós somos uns penduras que estamos lá. Mas os EUA têm a nota verde. Enquanto a tiverem, e o potencial de riqueza que têm, não tenha pena deles. Mas essa história dos banqueiros é completamente chocante. Eu não sou contra as altas remunerações para quem, realmente produz em conformidade. Mas, tirando um ou outro, os que estão na alta finança, e que vêm, muitas vezes, dos partidos, são uns aselhas como os outros. E estas pessoas ganhavam milhões por serem gestores geniais! E sérios!
Neste livro, o senhor decreta o fim da social-democracia e do Estado social. Eu não decreto. A realidade é que decretou. Não há democracia válida se os países não tiverem sustentabilidade económica. Acha que temos uma democracia a sério? Olhe, eu queria uma democracia como esta: o senhor Olmert, primeiro-ministro de Israel, foi acusado de se ter abotoado com uns dinheiros. Vai ser julgado. O presidente da República envolveu-se num escândalo sexual. Foi despejado. O senhor Nixon fez aquela pantominice do Watergate e foi-se embora. Uma democracia tem de ter um sistema judicial que funcione. E em Portugal? É o Freeport, são os sobreiros, os submarinos, os bancos... Tudo! Em Portugal, o Poder não quer que a justiça funcione. porque isso lhe trará dissabores.
Mas voltemos ao Estado social e à social-democracia... A social-democracia tenta igualar o mais possível a dstribuição de riqueza e desenvolver um conjunto de mecanismos que protege as pessoas em dificuldades. Foi um óptimo sistema enquanto houve dinheiro. E havia poucos reformados, e os estados tinham política económica. Agora, os estados receberam o passivo das políticas sociais, mas não os aspectos positivos: riqueza, pleno emprego, etc.. Se desapareceram os alicerces do Estado social, este passou a ser ficção. Estamos a fingir. Ou os políticos social-democratas repõem a economia, ou nada feito.
Mas o senhor profere estas afirmações numa altura em que o neo-liberalismo falhou mais clamorosamente e as ideias do socialismo democrático parecem regressar... O que se passou foi o abuso da liberdade contratual.
Por ineficácia do Estado como regulador... Exactamente! E eu não sou nada contra a intervenção do Estado! Mas a razão por que esta crise não me preocupou tanto como à maior parte das pessoas, foi porque, em 1929, os estados ficaram quietos. Desta vez, agiram.
Mas agiram num sentido mais esquerdizante... Fizeram o que tiveram de fazer.
O que nos remete para o regresso ao papel do Estado social... Pois, mas isso é um regresso de um instrumento da social democracia, não da social-democracia.
Mas o senhor professor não indica, neste livro, uma alternativa válida a esse sistema de Estado social a que as pessoas se habituaram a viver. Não há ainda alternativa. Estamos a caminhar para qualquer coisa que ainda não é bem definida, tal como a internacionalização da Economia não é ainda clara. Estamos numa nublosa e ninguém sabe qual é a ideologia que vem a seguir. O que eu digo é que terá de ser conforme as novas circunstâncias.
À luz destas reflexões, o que pensa das políticas de Barack Obama? Eu sou suspeito porque tenho por ele grande admiração.
Ele está a gastar mais com políticas sociais. Mas eu estou de acordo com ele. Nomeadamente no que diz respeito á reforma na Saúde.
Mas então está a entrar em contradição com as suas próprias convicções... Não. Nós temos é de ter um Estado social de dimensão conforme com a Economia. E os EUA têm ainda muito poucos encargos sociais e uma carga fiscal muito baixa. Em Portugal, temos de talhar o fato a partir daquilo que a Economia render. Mas temos de ter um Serviço Nacional de Saúde e Educação pública de qualidade.
Diz, no, livro, que entrámos no período de maior decadência depois do 25 de Abril. Mais do que no PREC ou os tempos de quase banca rota do início da década de 80?! São contextos diferentes. Agora estamos em velocidade de cruzeiro, e não sob perturbações políticas decorrentes da revolução. E é com ese critério que eu defendo essa tese.
O que achou desta polémica sobre a TVI? Senti-me a viver no Estado Novo. Não me lembro de nada tão estranho, em democracia. Primeiro tentam comprar a estação. Depois desistem. Depois correm com um tipo. Depois alguém telefona de Espanha... Bem, eu, como desconfiei sempre do Estado Novo, também desconfio disto.
O senhor professor vai votar? Não sei, é uma angústia que tenho. Ainda não decidi nada. Mas estou com muito medo dos próximos quatro anos.

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