segunda-feira

Solidão

Solidão

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

1 comentário:

Rosa dos Ventos disse...

Mal conheço Mia Couto como poeta...
Tenho que me pôr a isso!
Obrigada pelo poema.

Abraço